A NATUREZA COMO FONTE DE RECOMPOSIÇÃO ENERGÉTICA


Livro Os Mensageiros



41
Entre árvores

Decorridos alguns minutos, atingíamos pequena propriedade rural, povoada de arvoredo acolhedor.
Laranjeiras em flor perdiam-se de vista. Ba­naneiras estendiam-se em leque, enquanto o goiabal, de longe, semelhava-se a manchas fortes de ver­dura. A relva macia convidava ao descanso. E o vento calmo passava de leve, sussurrando alguma coisa através da folhagem.
Aniceto respirou a longos haustos, e falou:
— Os desencarnados, embora não se fatiguem como as criaturas terrestres, não prescindem da pausa de repouso. Em geral, nossas operações, ànoite, são ativas e laboriosas. Apenas um terço dos companheiros espirituais, em serviço na Crosta, conserva-se em atividade diurna.
E, notando-nos a curiosidade justa, sentenciou:
— Aliás, isto é razoável. O dia terrestre per­tence, com mais propriedade, ao serviço do Espírito encarnado, O homem deve aprender a agir, teste­munhando compreensão das leis divinas. Pelo menos durante certo número de horas, deve estar mais só com as experiências que lhe dizem res­peito.
Nosso instrutor amigo sorriu e observou:
— O dia e a noite constituem, para o homem, uma folha do livro da vida. A maior parte das vezes, a criatura escreve sozinha a página diária, com a tinta dos sentimentos que lhe são próprios, nas palavras, pensamentos, intenções e atos, e no verso, isto é, na reflexão noturna, ajudamo-la a retificar as lições e acertar as experiências, quando o Senhor no-lo permite.
Calando-se o nosso orientador, tivemos a aten­ção exclusivamente voltada para a beleza circun­dante. Aquele campo amigo e hospitaleiro caracte­rizava-se por ambiente muito diverso. Não mais as emanações pesadas da cidade grande, mas o vento leve, embalsamado de suavíssimos perfumes. Refle­tia eu na bondade do Senhor, que nos oferecia recur­sos novos, quando Aniceto voltou a dizer:
A Natureza nunca é a mesma em toda parte. Não há duas porções de terra com climas absolutamente iguais. Cada colina, cada vale, possui expressões climatéricas diferentes. É forçoso reco­nhecer, porém, que o campo, em qualquer condição, no círculo dos encarnados, é o reservatório mais abundante e vigoroso de princípios vitais. Em ge­ral, todos nós, os cooperadores espirituais, estima­mos o ar da manhã, quando a atmosfera permanece igualmente em repouso, isenta dos glóbulos de poeira convertidos em microscópicos balões de ba­cilos e de outras expressões inferiores. Entretanto, os trabalhos de hoje não nos permitiram o descanso mais cedo...
Apoiamo-nos no veludoso relvado, e, perceben­do-nos a sêde de saber, Aniceto prosseguiu:
— Assim me explico, porque na floresta temos uma densidade forte, pela pobreza das emanações, em vista da impermeabilidade ao vento. Aí, o ar costuma converter-se em elemento asfixiante, pelo excesso de emissões dos reinos inferiores da Natu­reza. Na cidade, a atmosfera é compacta e o ar também sufoca, pela densidade mental das mais baixas aglomerações humanas. No campo, desse modo, temos o centro ideal...
Indicando, prazeroso, as frondes balouçantes, acentuou:
— Reina aqui a paz relativa e equilibrada da Natureza terrestre. Nem a selvageria da mata virgem, nem a sufocação dos fluidos humanos, O campo é nosso generoso caminho central, a harmonia possível, o repouso desejável.
Embalados ao pio de algumas juritis solitárias, repousamos algumas horas, magnificamente asila­dos no templo da Natureza.
Com as primeiras tonalidades do crepúsculo, Ãniceto nos convidou a passeio rápido pelas ime­diações.
Reconhecia que estávamos muito mais bem dis­postos.
— Sàmente depois de nos locomovermos por alguns minutos, observei que nas vizinhanças havia grande quantidade de trabalhadores espirituais.
Em face das minhas interrogações, nosso men­tor explicou, bondosamente:
— O campo é também vasta oficina para os serviços de nossa colaboração ativa.
E apontando os servidores, que iam e vinham, considerou:
— O reino vegetal possui cooperadores nume­rosos. Vocês, possívelmente, ignoram que muitos irmãos se preparam para o mérito de nova encar­nação no mundo, prestando serviço aos reinos infe­riores, O trabalho com o Senhor é uma escola viva, em toda parte.
Nesse momento, nossa atenção foi atraida por significativo movimento na estrada próxima.
Dirigimo-nos para lá, seguindo os passos de Aniceto, que parecia adivinhar o acontecimento.
Observei, então, um quadro interessante: um homem jazia por terra, numa poça de sangue, ao lado de pequeno veículo sustentado por um muar impaciente, dando mostras de grande inquietação. Dois companheiros encarnados prestavam socorro ao ferido, apressadamente. “É preciso conduzi-lo à fazenda sem perda de tempo”, dizia um deles, aflito, “temo haja fraturado o crânio.” O número de d•esencarnados que auxiliava o pequeno grupo, todavia, era muito grande.
Um amigo espiritual que me pareceu o chefe, naquela aglomeração, recebeu Aniceto e a nós com deferência e simpatia, explicou rapidamente a ocor­rência. O carroceiro havia recebido a patada de um burro e era necessário socorrer o ferido.
Serenada a situação, vi o referido superior hierárquico chamar um guarda do caminho, inter­pelando:
— Glicério, como permitiu semelhante acon­tecimento? Este trecho da estrada está sob sua responsabilidade direta.
O  subordinado, respeitoso, considerou sensa­tamente:
— Fiz o possível por salvar este homem, que, aliás, é um pobre pai de família. Meus esforços foram improfícuos, pela imprudência dele. Há mui­to procuro cercá-lo de cuidados, sempre que passa por aqui; entretanto, o infeliz não tem o mínimo respeito pelos dons naturais de Deus. É de uma grosseria inominável para com os animais que o auxiliam a ganhar o pão. Não sabe senão gritar, encolerizar-se, surrar e ferir. Tem a mente fe­chada às sugestões do agradecimento. Não estima senão a praga e o chicote. Hoje, tanto perturbou o pobre muar que o ajuda, tanto o castigou, que pareceu mais animalizado... Quando se tornou quase irracional, pelo excesso de fúria e ingratidão, meu auxílio espiritual se tornou ineficiente. Ator­mentado pelas descargas de cólera do condutor, o burro humilde o atacou com a pata. Que fazer? Minha obrigação foi cumprida...
O  Superior, que ouvia atenciosamente as alega­ções, respondeu sem hesitar:
— Tem razão.
E como dirigisse o olhar a Aniceto, desejando aprovação, nosso orientador afirmou:
— Auxiliemos o homem, quanto esteja em nos­sas mãos, cumpramos nosso dever com o bem, mas não desprezemos as lições. Esse trabalhador im­prudente foi punido por si mesmo. A cólera é pu­nida por suas conseqüências. Ao mal segue-se o mal. Se os seres inferiores, nossos irmãos no grande lar da vida, nos fornecem os valores do serviço, devemos dar-lhes, por nossa vez, os valores da educação. Ora, ninguém pode educar odiando, nem edificar algo de útil com a fúria e a bruta­lidade.
E, indicando o grupo que conduzia o ferido a uma casa próxima, concluiu, imperturbável:
— Como homem comum, nosso pobre amigo sofrerá muitos dias, chumbado ao leito; entre as aflições dos familiares, demorar-se-á um tanto a restabelecer o equilíbrio orgânico; mas, como Espí­rito eterno, recebeu agora uma lição útil e neces­sária.

Altamente surpreendido, reparei na grande se­renidade do nosso orientador e comecei a compreen­der que ninguém desrespeita a Natureza sem o doloroso choque de retorno, a todo tempo.

OS MENSAGEIROS

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

DITADO PELO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ

Comentários

Postagens mais visitadas